modular é necessário







sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

retrato


Tão de repente, a imagem o fez ter sensações de desalinho, não exatamente mal estar, mas o sentimento de quem repentinamente se viu perdido por motivo sem precedentes. Era prazer e era diferente. Alimentá-lo ficando parado ali era quase como ser outra pessoa. O vermelho do jorro, o preto da ocupação, da chegada sem aviso, sem pedir aprovação. O escuro se fazia existir sem temores na aquarela, e ele inerte na frente da vitrine da galeria. Não podia dar mais nem um passo.
Ficou pensando. Seria o caso de entrar? Mas o que lhe esperava lá dentro poderia detê-lo ainda mais, perigoso arriscar. De qualquer forma sabia que agora necessitava ter a obra por perto, tanto que temeu não poder pagar por ela. Sobrava a decisão de entrar e obter a informação. Dureza admitir que virara refém da imagem, que precisaria admirar diariamente aquela combinação de cores. Um quadro, quem diria? Ele sequer identificava ainda a coisa como aquarela. Depois reparou que tudo era diluído, a despeito da força, o que o fascinou ainda mais pela aparente incongruência entre essas duas naturezas. Água, e no entanto a marca indelével, como o desejo, e no entanto as consequências das escolhas. Estava capturado. A vida passava a depender de adquirir o objeto, não havia nenhuma hipótese de isso não vir a acontecer.
 
trecho de "retrato", de O CÉU É MEU
 
 

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