Penso em artistas que sofreram o mesmo infortúnio e depois tiveram sua volta. Em quem me inspirarei para ter a fé? Terei de recorrer às referências de pessoas mais brilhantes do que os artistas ao meu redor. Este tempo não está muito rico de ideais tão luminosos, meus contemporâneos precisariam estudar mais e ter o hábito de querer descobrir na grande história as suas inspirações. Tanta coisa já foi feita, sim, e existe até uma música de alguém que considero um gênio, questionando sobre o que haveria para ser dito hoje em dia, depois do todo já visto. Vivemos em um território difícil para os criadores? Ora, vamos deixar de bobagem. Há a vida a ser observada e isso não se esgota. Na falta de algo absolutamente novo, olhe em volta, porque os grandes que nos precederam indicam sem parar vários caminhos explorados apenas em sua superficialidade, e muitas vezes de propósito, para o prazer quase irônico de um desprendimento como quem quer viver passando a bola por pura generosidade, ou mesmo misericórdia. Isso nos é entregue em uma bandeja toda polida e luminosa. Para quem tem olhos de ver e ouvidos de ouvir, as dicas estão aí, claras.
Por que falo disso com tanto conhecimento de causa logo
neste exato momento? Agora ninguém me socorre com um sinal sequer de algo que
poderia me mover a esmiuçar um tema, como sempre foi de meu instinto, esse
instinto de espremer as impressões do mundo com uma selvageria que sorve tanto,
e quase até o esgotamento de toda energia, a essência de situações, imagens de
pessoas, as vozes mais impressionantes a que tenho acesso, as respirações entre
as frases das canções que suspendem por instantes a minha própria respiração.
Que canção me supriria hoje, assim tão desarticulada? O que eu fiz? Alguém pode
me dizer?
Lembro imediatamente da fotógrafa Francesca Woodman, uma
mulher a me chamar a atenção desde sempre com suas obras passíveis de tantas
leituras, e que na maioria dos casos me faz acreditar em uma grande obsessão
por se virar do avesso na própria criação, achando não valer a pena inventar
nada, se não for para se desnudar em todas as instâncias, especialmente as do
medo. Ah, como nossos medos são ricos em nos dar direcionamentos para a
criação, apresentando-se tão efetivos no que se trata de revirar as vísceras,
mas ao mesmo tempo apenas acenando com uma pontinha da calda por trás das
paredes espelhadas de um labirinto de proporções estelares.
Francesca criava, criava, e por uma série de motivos parou
um dia de ter as ideias para as viradas que gostava de dar em seus assuntos a
serem tratados, julgou-se perdendo o fio da meada. Pronto, junte-se a isso uma
desilusão amorosa de juventude e o quadro para o suicídio estava montado. Acabou com tudo sem piedade. E se foi. Ela
que observava em seu tempo a consolidação e a aceitação de alguns novos
costumes, para ela já tão velhos, tão reprise de tantas coisas, tantos outros
momentos na história. Ela tão observadora, e que tinha tudo para expandir seu
universo de representações do belo e do assustador. Sou fascinada por suas
imagens.
Penso que meu trabalho tem como particularidade a busca do
lugar da vida no tempo, também. Hoje penso onde me encaixo nesta estranha
geometria do tempo. Sou uma artista de tempo nenhum. Neste momento tudo vira plástico
e borracha, inclusive a comida, e eu querendo perpetuar minha imaginação que
prefere agir através de materiais mais orgânicos, que como a gente, respira,
amarela, ganha outros tons, envelhece e morre. Eu sou o susto da luz nos
meandros dos instantes de fecunda respiração. E nesses meandros dos instantes
está a minha marca, o meu movimento registrado para mostrar, justamente, que
não paro.
Perigosa respiração. Francesca tão querida, a fotógrafa do
movimento, por mais ambicioso que isso possa parecer. Perigosa respiração. O
demasiadamente vivo assusta as pessoas. Eu estaria escondida e sem julgamentos
se não fosse a minha arte, mas eu aceito desde muito cedo a pagar o preço de
ter de ver as pessoas escarafunchando dentro de minha mente as razões para
isso, as explicações para aquilo. E quantas delas acertam de verdade? Ah, acabo
tendo de ouvir cada coisa... Estou em embate com tudo o que sei, por causa
justamente, das coisas que não sei. Tenho uma obsessão parecida com a sua,
minha irmã nas artes. Um princípio de vida: cuidar do tempo. Cuidar de tudo o
que se relaciona com isso, ganhar sempre que possível, enganando os instantes.
Tenho medo quando penso estar perdendo o tempo... mas é um medo tão grande que
se manteve até agora inominável, por isso mesmo sei do quanto ainda posso
continuar em minha busca por definições nesta vida. Então desabafo meus temores
inventando imagens, como você, só que a meu modo, tratando as palavras, mas
também tecendo cenários e tudo o que os habita, como corpos e respiração.