"Ele tem a habilidade de sobrepor as cores como
transparências que se interpenetram sem, contudo, haver mistura. Seus planos
continuam independentes. É a vontade de entrar na sua obra que me manteve
ligada nas piores ocasiões. Eu recorria a algumas de suas músicas para me
conformar quando a injustiça se fazia. Ele me fazia redescobrir o instinto de
sobrevivência nas horas em que queria desistir de ser o que eu era, e me
recobrava a alegria, a confiança de que nada era só, e sim uma grande dança
harmônica. O mundo em partes se recompunha por causa da esperança na beleza à
qual aquilo tudo me devolvia. Eu pensava que a desarmonia era finita só de
imaginar compreender os entremeios daquelas sobreposições transparentes, como
brilhos que se intercalavam, e quando conseguia me deslocar até ali, ouvir ao
redor, no ambiente tomado pelas melodias fulgurantes, as camadas me envolvendo
e eu no olho de um furacão que me traria de volta ao lar. Sempre o contrário do
normal, de qualquer normalidade. Tirando-me de meu centro ele me devolvia ao
cerne daquilo que eu desejava desde sempre ser, e que estava em mim, no meu
olhar, na minha capacidade de fazer essa transposição, ficar diminuta e entrar
na obra, ativar os sentidos ajustados para outra espacialidade, a sugestão daquelas
harmonias desde que eu estivesse penetrando suas fases todas, vendo minha
própria face espelhada enquanto eu chegava pelos meandros mais inesperados que
as dissonâncias reservavam."
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