modular é necessário







quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Tempos de Olívia


Primeira parte - A Excelência

 

Pronto, pesquei. Uma verdade escondida que mudou a direção dos pensamentos do dia. Hoje conversando com uma amiga, ela me contava do filme onde uma mulher descobria ter apenas mais oito semanas de vida, e exclamei com tanta naturalidade: que maravilha! E eu mesma fiquei surpreendida demais. Minha amiga não comentou nada. O diagnóstico para a inveja tão exclamativa em relação ao triste destino da personagem do filme é meu cansaço sem nome, cansaço não de ofício, mas sim de existência interior para a qual não tenho visto correspondência nas coisas externas. A espiritualidade tem sido muito exercitada por aqui, mas a quietude, amiga desde sempre, não tem trazido a paz de costume. Só questionamentos que nunca deságuam em campos mais esclarecidos, propiciadores de dissolução das dúvidas e dívidas com o próximo. É período de acumulação, e tudo que chega apenas fica, fica, faz mais peso e ocupa mais espaço. Eu tenho de me livrar de coisas, para não querer mais me livrar da vida, como me pareceu ao exclamar tão favoravelmente ao enredo do filme terrível.

Com calma eu analiso o passo mais recente e sei da vantagem de saber tomar decisões nesses momentos cruciais, onde a razão importa menos do que a coragem de dizer sim ou não, de supetão, quando o momento de saltar se apresenta. O saltar. A chance de ruptura, mesmo parecendo loucura. E eu sou uma que rompe, ousa dizer o sim e o não da dissolução, do desmoronamento que pode me levar além de onde estou. Nada a declarar a quem não me entender de pronto. Mentira, tenho paciência, e tal preciosa matéria extraio também do fogo do meu talento. Serei sucinta, direta e sincera. E este é o meu momento. Meu. Ele é meu. Seguro o tempo desse acontecimento e com ele espero fazer algo por mim mesma. Nessa volta por dentro acharei o novo que no entanto sempre esteve aqui. Nada é por acaso e se largo algo, se abro os dedos e deixo o pássaro voar, é porque isso estava escrito, e escrito por mim mesma, a que inventa tudo, a que acha na lama ou na delícia pepitas garimpadas com suor de alma. Eu vou ao meu garimpo hoje sem os instrumentos de lavagem das pedras duras e feias. Vou ao meu local de tirar do chão a preciosidade, às vezes da terra seca, às vezes de pedra brutalmente cavada com minhas unhas de princesa, mas vou apenas olhar. E sei da aridez de se viver cultivando no agreste, viver do garimpo no lodo, da pesca no mangue, e de matar a sede com a água do poço cavado bem fundo. Tudo muito áspero e dramático? Nada. Minha vida é feita de saber dosar o drama, e a tragédia disso é ele não se dosar jamais na tranqüilidade. Somos criaturas que atravessam vales de sombras porque nas sombras estão as ideias, não há jeito. De luminosidade fazemos nosso caminho apenas no depois dos achados mais importantes, porque o durante é de caos, escuridão e medo. Medo de nunca achar nada melhor, medo de não ter mais as unhas que cavam e de não ter mais a sustentação na hora de escalar a pedra mais alta que nos desafia, e quando pressentimos o tesouro do dia lá em cima. O mesmo se dá para baixo, nos abismos que tememos não termos a disposição de espírito para mergulhar. Nada assusta mais do que não ter coragem suficiente, o mesmo que então não merecer tirar a espada da pedra. A coragem é nossa matéria prima, antes de qualquer outra a se apresentar. Queremos merecer mais do que ninguém, queremos a glória da ciência que desvenda, desvenda o destino e clareia a trilha nos outros vales, e isso para variadas multidões. Queremos dizer às multidões do caminho seguro e firme, onde o chão jamais cederá. Somos artistas e o que sabemos é de vidas imbuídas de missões, de gritos precedendo as grandes calamidades como que alertando às almas afins de que fomos à frente, e sabemos indicar a direção mais reta até a cobiçada grandeza de espírito. Já fomos e voltamos pelos campos do conhecimento adquirido dando a força do corpo como escudo para os males que há tanto a humanidade cansou de ver e se desviar por pura aflição, a pequeneza da qual todos se esquivam tanto, que pretendem ignorar com total afinco, fingem nem tomar conhecimento. Somos os arautos da libertação para aqueles que não dormem e não sabem, somos os gladiadores matando as feras que matariam os mais sensíveis. E assim eles podem se aproximar melhor da pedra, quando querem. E ela já está polida, carregada da proteção da beleza.  A beleza é nosso papel, e só por ela estamos aqui.

Maledicência e morte. Dificuldade e superação. Redenção pela simples crença de que quanto maiores os pecados inspecionados maior será a ventura de ter o que dizer ao próximo. Por isso procuramos no ser humano seu lado mais flagrantemente desumano, o mais cruel afirmando nada ter visto de errado no momento em que matava seu semelhante com o olhar de desprezo por sua maior agonia. É dessa invasão na alma do mal que se explica nossa incrível capacidade de doação, porque dói presenciar e narrar mediocridades. O medíocre nos agride e nem por isso passamos direto por ele. Ao contrário, vamos ter com ele e o interpelamos nas profundezas das razões mais amargamente obscuras para que suas ações se deem tão distantes da graça que desejaríamos proclamar como definitiva na vida de todos nós. Mas da miséria dele tiramos o exemplo da superação ou talvez a misericórdia de quem olha e admite uma existência diversa. É nossa a imensa dor e tantas vezes, alquebrados, pedimos clemência por ter de ver tamanha brutalidade na realidade de existir do começo ao fim, sem pausa e sem tréguas. Existir neste mundo e ser uma pessoa. A tarefa magnânima. E juramos que estamos aqui para facilitar as coisas. Que assim seja.

Um comentário:

  1. 'Mais de Maês....'

    O milagre-palavra brada num rito silencioso.

    Nada de gritos! É com silêncios que calamos e falamos o que realmente importa...

    Uma salva de Améns a Patrícia Maês.

    Na minha avaliação, a melhor prosadora da atualidade!

    Que os repugnantes pseudos-tudo façam continência com a mão no peito - em sinal de respeito - diante dos talentos verossímeis.


    Bravíssimo, Patrícia!


    Abraços fecundos,

    Isa Baccara

    ResponderExcluir