Os contos de Patricia Maês não podem ser lidos com olhos forasteiros. Ou
seja, olhos contaminados pela realidade prostrada; por noções gastas acerca de
poder, sensualidade, anima,
animus, espaço, tempo, alteridade, subjetividade, objetividade. Livre-se das
expectativas pautadas na literatura vigente, na escrita do estarrecimento; não
é tratamento de choque, embora conte com rupturas inesperadas, com o elemento
surpresa. O mundo a ser apreendido é o mundo dos sentidos, dos sentimentos, dos
sensíveis, dos delicados. Aqui,
as personagens não são apenas criaturas de papel, entidades fictícias, mas,
ícones do mundo interno da autora e de leitores. Deste modo, personagem, autora e leitor se tornam ponte para uma
travessia possível.
É um livro sem criptografias; sem fardos; sem cargas; nele belezas
emergem das ruínas; e a vida soa leve
porque os contos são calmos. Eles cedem às personagens e ao leitor a
chance de recriar a vida e desejos
no campo da imaginação, da arte.
Na esfera onde chumbo vira pluma nada
é proibido, pois, é terreno onde permissividades se manifestam livremente. A autora dispensa o texto complexo, encharcado
e faz a sábia opção por uma linguagem clara que se contraponha ao tema – que já
é, por si só, absolutamente vasto e complexo. O resultado é um texto sem
bijuterias, sem o cheiro forte dos perfumes, sem rompantes verbais e,
paradoxalmente, sem previsibilidades. O discurso direto, nada de exageros metafóricos
ou entulhos verbais, abre fendas que servem como pontes levando ao silêncio do
próprio leitor.
Ser sublime é um ato de coragem. Sempre foi. Hoje um tanto mais. “Vou
escrever esta história pra provar que eu sou sublime”, como reafirma o poeta em
“Tabacaria”. Eu disse a mim mesma, já no primeiro conto: "Vou
ler e me ler neste livro pra atestar
se sou sublime". Sim, é o que é: um livro sublime, no sentido mais
profundo do termo. Porque tem a ousadia de trazer de mundos submersos condições
humanas inutilizadas, descartadas; descarte que é causa da degradação que nos
assola, e aqui estamos diante de um basta. Basta ao excesso de exposição que
nos levou mais do que nos deu. Basta a princípios de liberdade que se perderam nos próprios fins e ao
extravasamento que se deslocou da
ideia matriz desembocando em valores completamente deturpados.
É um livro sensual; uma prosa
que em sua raiz estilística exacerba o brado retumbante da poética de
Adélia Prado: "Erótica é a alma". Porque mostra-nos, por meio da sugestão, que
sensualidade não tem qualquer relação com o explícito, mas, com o sugerido. A
sugestão é mais instigante, incita os sentidos e o desejo de descoberta.
O livro de Patricia é elegante, charmoso, delicado, rico em significados
profundos, cheio de silêncios bem articulados. É uma
escrita cuidadosa. Cuidadosa com o leitor, cuidadosa com as personagens,
cuidadosa com uma escala de valores truncada no curso dos eventos. Falta ao mundo mais charme, mais
gentileza. Patricia Maês sabe disso e nos dá um livro gentil, oferece-nos um
jantar generoso, sem gula. É uma anfitriã preparada, zelosa. Acostumada a
receber bem as pessoas.
Este livro, caro leitor,
é uma casa muito bem decorada e
carregada de zelos. Reduza o ritmo, dê a si mesmo um pouco de privacidade. Leia com a memória dos
esquecidos, leia como quem sofreu uma amnésia; recrie seu tempo, espaço, seu
ser no tempo e no espaço. Pressinta algo desgovernado no mundo,
pressinta-se desgovernado. Pare o seu mundo e entre nele – sozinho. Porque o seu mundo é só seu.
Indivisível.
Impressionante, aqui, Isa convida e exige a presença, demandando, ao mesmo tempo, respeito ao entrar na casa.
ResponderExcluirAo entrar nesse livro, ao ameaçar pisar no jardim, vai invadir o território nada blindado, a não ser pela peculiar sensualidade e sensibilidade feminina que prenuncia de uma grande inteligência, de um raro talento.
Nesse mix de curiosidade e de medo do incógnito, a sugestão de leitura promete.
Em conhecendo a autora e seu propósito, garanto ser seu livro um raro instrumento de enriquecimento e de premiação, pois que trasmitimos o nosso código através do que expressamos, mas enquanto transformamos o mundo através da impressão que lhe causamos com isso, mudando o mundo em realidade.
Essa responsabilidade de autor, de executor e promotor de destinos em que os ensina, é executada com coragem por Patrícia Maês, que tem todas as ferramentas, a bagagem e a destreza para colocar, deitar no papel, assim, transmitir, passar do seu código, da sua identidade, da sua experiência.
Esse processo de se dar através do livro é programar a realidade, é mudar aquela, enquanto mudamos, tanto quem lê, como quem escreve, enquanto crescem, enquanto tecem e reconstroem a sua memória, nas experiências transmitidas.