Patricia Maês: escritora, musicista, atriz
Por Jovino Machado
Foto: José Rubens Moldero
1: Quem é Patricia Maês?
Patricia Maês é uma pessoa que indaga. Vivo me perguntando para que serve isso ou aquilo, e no fim me vejo querendo achar graça em viver no mundo sem nexo. Quando sou bem sucedida e acho o caos até gostoso, é o meu melhor dia. Nem sempre é possível, mas eu não desisto.
2: Quais foram os seus primeiros contatos com a literatura?
Sempre me senti atraída pelo objeto livro, e por isso desde pequena gostava de remexer nas estantes de casa. Gostava das enciclopédias, e ganhava muitos livros infantis. Tive coleções maravilhosas, e acho que isso definiu meu respeito pela escrita. Minha brincadeira mais comum era abrir as portas de um armário grandão que tinha lá em casa, cheio de livros, e fingir que ali era uma loja. Eu imaginava pessoas chegando e me falando de alguém, sua personalidade, seus gostos, e aí eu indicava um livro.
3: Existe algum fato ou acontecimento entre a infância e a juventude que determinou sua opção pela literatura?
Quando descobri a geração do Fernando Sabino (minha grande paixão na infância), e lia os contos e as crônicas onde ele falava da convivência com seus contemporâneos, eu achava que um dia também moraria no Rio e os encontraria para aqueles cafés no meio da tarde. Eu nem me tocava que o tempo passaria, eles ficariam velhos e até morreriam. Era o Paulo Mendes Campos, o Otto Lara Resende, o Hélio Pellegrino, o Drumond, enfim, e eu me imaginava fazendo parte da turma, conversando com eles sobre nossas produções. Eu tinha uns dez, doze anos...
4: Como foi a sua experiência com Antunes Filho no Centro de Pesquisas Teatrais?
O Antunes tem a fama de bravo, mas tive sorte com ele, que gostava de mim e me achava talentosa. O máximo que ele me disse em tom reprovativo foi que eu era uma pessoa muito espaçosa. Isso vindo dele, que colocava todo o elenco abaixo de zero diariamente, foi até um elogio. Mas o Antunes tem tanto a ensinar sobre ser de fato um artista, que mesmo tendo ficado pouco tempo no CPT aprendi demais com ele. Tanto que me arrependi quando pedi para sair. Perdi meu tempo nessa ocasião, logo eu que era cheia de energia e sonhos.
Foto: Maurício Piffer
Foto: Maurício Piffer
5: O que te dar mais prazer? Tocar, representar ou escrever?
Tudo é muito importante para mim. O tempo de musicista foi determinante para “calibrar” a minha percepção, experimentando estados de concentração que só o contato com o aprimoramento do som proporciona. Lidar com afinação muda a nossa percepção da vida. Mas escrever é muito melhor agora, é algo que faço na intimidade, em casa e calada, que é a maneira como eu mais gosto de ficar.
6: Fale sobre a montagem da peça "Os ratos soltos na casa".
Fazer essa peça foi uma delícia. Primeiro porque era um desafio, um texto difícil, com falas enormes e um tema cheio de psicologismos para se explorar. Fui até o limite entre a dramaturgia e a literatura, mas acabou funcionando satisfatoriamente. Minha personagem se alternava entre uma mulher histérica, neurótica e esquizofrênica, e isso era bem desenhado. Exigia muito de mim fisicamente, mas me dava um grande prazer.
7: Como foi a criação das letras para algumas canções do CD "Horizonte Vertical" de Lô Borges?
O trabalho do Lô é muito responsável pela construção de todo o meu universo estético. Gosto das suas composições desde muito cedo, e na adolescência eu sonhava em tocar com ele. Quando me vi virando sua parceira, senti só gratidão pela oportunidade de dividir composições com um criador que é um verdadeiro gênio. No caso do Horizonte Vertical, eu conhecia muito bem as músicas antes mesmo de pensar em fazer as letras para elas. Ouvia as músicas com o Lô, ia às gravações, e quando resolvi que podia contribuir, saiu tudo muito rápido, porque eu já amava as canções e já tinha incorporado muito tudo aquilo.
8: Sua formação musical erudita tem influência no ritmo de suas narrativas literárias?
Sim. Costumo dizer que escrevo como quem faz música. Ter tocado um instrumento tão difícil me fez experimentar estados de concentração muito profundos e isso acaba facilitando para que eu use a imaginação ao entrar em universos desconhecidos, no mundo das personagens que invento, certamente. Vejo minhas narrativas como linhas melódicas se desenhando, definidas pelo tamanho das sentenças, por exemplo e principalmente. Quem tem a oportunidade de viver no universo dos sons e depois vai para outras linguagens, tem um elemento a mais de sutileza para contar. É assim com quem dança também. Tenho uma amiga bailarina que virou uma grande roteirista de cinema. No caso dela, a música foi fundamental também como suporte para se jogar em outras linguagens.
9: A bruxinha ucraniana Clarice Lispector ofuscou a geração dela. O que ela representa hoje para você como inspiração?
Quando eu ainda tocava e achava que não havia meio mais puro de expressão do que a música, a Clarice me provou que viver no meio das palavras era igualmente promissor quanto a ter recursos e ferramentas de expressão e comunicação. Ela mudou tudo na minha vida. Devo a ela grandes deslumbramentos e a acho inigualável.
10: Como foi o seu encontro com Lygia Fagundes Telles? O que ela disse pra você?
Eu sempre encontrava com a Lygia em palestras de outros escritores, mesas redondas em bienais do livro, etc... e acontecia de sempre sentarmos lado a lado, o que me deixava muito feliz. Um dia, conversando com ela, contei que era escritora e atriz e tive uma surpresa. Ela praticamente colocou o dedo em riste na minha cara e disse que “Nós, mulheres das letras, não podemos ficar peladas!!!”. Ela foi categórica: “Olha, você é atriz e é uma moça bonita, mas fique atenta, se você escreve, não fique pelada!” E repetia: “Nós não podemos ficar peladas!!!” Achei fantástico porque ela, uma senhora, ainda se incluía na história toda dizendo “nós”. Ela é demais.
11: Nietszche afirmou que um artista é estimulado por duas questões fundamentais: ou por ódio ao mundo ou por amor a ele. Por que você escreve e para quem você escreve?
Acho que é tanto por ódio quanto por amor ao mundo. Não separo essas duas forças. Eu escrevo para aprender a viver com as minhas limitações e reclamar disso, de alguma forma. Agora, para quem?... Penso que eu talvez escreva para esses que também não se sentem muito à vontade com as coisas do jeito que elas são, os que querem mais delicadeza, um maior número de túneis com uma luzinha lá no fundo.
12: Como é o seu processo de criação? Existe algum ritual na hora da escrita?
Não tenho um ritual. Tinha quando era violinista. Colocava uma música antes de começar a estudar, e ficava sentindo o instrumento vibrar nas minhas mãos para abrir o dia. Hoje sento-me para escrever a qualquer hora, e as coisas acontecem.
13: Quais são os autores que influenciaram a sua literatura?
Como já contei, o Fernando Sabino foi fundamental. Ele me fazia querer viver como ele, ter o escritório dele, os amigos, etc... Depois vieram as mulheres, como Clarice, Lygia, Elizabeth Hardwick, Dorothy Parker, Virginia Woolf, e até a Margareth Atwood. Foi mais ou menos por aí.
14: Fale sobre o seu novo livro que está no prelo.
Ele se chama Tempos de Olívia, é todo escrito na primeira pessoa e no presente, o que foi um desafio muito saboroso. Estar no aqui e no agora o tempo todo nem sempre é fácil. O livro fala sobre como uma artista de sucesso se comporta quando pela primeira vez em sua vida se vê em um hiato de criação. É período de entre-safra e ela não sabe como viver assim, sem um projeto que substitua o outro imediatamente. Então lhe aparecem questões sobre as razões de criar, os motivos que a mantêm ligada a esse universo artístico. Ela começa a medir sua vaidade, sua segurança nos talentos que lhe são atribuídos, e enfim, é instaurada uma crise em seus dias e ela pena um pouco para compreender e superar.
15: O que é mais importante na vida para Patricia Maês?
Eu queria ser realmente útil. Tenho uma amiga que ajuda pessoas na melhor idade, quer abrir uma ONG ou uma OSCIP para resgatar animais abandonados, e observo tudo isso pensando que aí está alguém que faz realmente uma grande diferença. Preciso aprender a fazer o necessário. Quando alguém é despertado de alguma forma por algo que escrevi, já é um caminho mas não é tudo. Se tenho uma meta essa meta é começar a crescer nesse sentido.
* * *
* * *
Jovino Machado (Belo Horizonte/MG). Formado em Letras (UFMG). Atua como restaurateur. Publicou 10 livros, entre eles Trint´anos Proustianos (Mazza Edições, 1995), Disco (Orobó Edições, 1998), Samba (Orobó Edições, 1999), Balacobaco (Orobó Edições, 2002) e Fratura Exposta (Anomelivros, 2005). Recentemente, 2009, também publicou a plaquete poética Meu Bar Meu Lar. Próximo lançamento: Cor de Cadáver (Anomelivros, 2009). Participações em Dimensão (Revista Internacional de Poesia, Uberaba, MG, 1998), A Poesia Mineira no Século XX (Imago, Rio de Janeiro, 1999), A Cigarra-Revista de Poesia (Santo André, SP, 2000), O Melhor da Poesia Brasileira – Minas Gerais (Joinville, SC, 2002), antologia poética O Achamento de Portugal (Fundação Camões, Lisboa, Portugal e Anomelivros, 2005), Suplemento Literário de Minas Gerais (2007) e Rascunho (2008). Menção honrosa na revista literária da UFMG (1991) e terceiro prêmio de Poesia Falada de Campos dos Goytacazes (RJ, 2002). E-mail: jovinomachado@yahoo.com.br Blog: http://jojomachado.zip.net
Nenhum comentário:
Postar um comentário