DE CORES
Ele tem a habilidade de sobrepor as
cores como transparências se interpenetrando sem, contudo, haver mistura.
Seus planos continuam independentes. É a vontade de entrar na sua obra que me
manteve ligada nas piores ocasiões. Eu recorria a algumas de suas músicas para
me conformar quando a injustiça se fazia. Ele me fazia redescobrir o instinto
de sobrevivência nas horas em que queria desistir de ser o que eu era, e me
recobrava a alegria, a confiança de que nada era só, e sim uma grande dança
harmônica. O mundo em partes se recompunha por causa da esperança na beleza à
qual aquilo tudo me devolvia. Eu pensava que a desarmonia era finita só de
imaginar compreender os entremeios daquelas sobreposições transparentes, como
brilhos se intercalando, e quando conseguia me deslocar até ali, ouvir ao
redor, no ambiente tomado pelas melodias fulgurantes, as camadas me envolvendo
e eu no olho de um furacão me trazendo de volta ao lar. Sempre o contrário do
normal, de qualquer normalidade. Tirando-me de meu centro ele me devolvia ao
cerne daquilo que eu desejava desde sempre ser, e que estava em mim, no meu
olhar, na minha capacidade de fazer essa transposição, ficar diminuta e entrar
na obra, ativar os sentidos ajustados para outra espacialidade, a sugestão daquelas
harmonias desde que eu estivesse penetrando suas fases todas, vendo minha
própria face espelhada enquanto eu chegava pelos meandros mais inesperados reservados pelas dissonâncias. Foi a mais perfeita arquitetura a que tive acesso.
Sou uma expectadora consciente de minha procura, mas sou surpreendida pelo que
vejo a mais, e esse a mais é constante, sempre se apresenta. Como uma música
que ouvimos milhões de vezes e a cada vez nos revela outros fraseados no
arranjo elaborado para a sua apreciação nunca ter fim. Eu fui cooptada desde a
primeira audição. Música espelho. Música de camadas transparentes, se revezando
na intensidade, ora uma, ora outra se sobressaindo e eu escutando e mergulhando
na cor. A cor ao lado de outra cor, que é atrás, e é na frente. Contraponto e
harmonia. A música dele e as minhas possibilidades de alegria são tão
correspondentes que se aquele rapaz do violino estivesse aqui e eu tivesse de
conversar com ele sobre beleza e plenitude, lhe apresentaria algumas dessas obras.
O silêncio certamente se faria, e a música começaria logo em seguida, assim que
estivéssemos os dois rindo de tanta satisfação pela ausência de solidão
artística que aquela imensidão de brilhos explosivos se entrelaçando sugere a
qualquer criatura criadora. Assim é a música de meu Nyx.
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