Tão de repente, a imagem o fez ter
sensações de desalinho, não exatamente mal estar, mas o sentimento de quem
repentinamente se viu perdido por motivo sem precedentes. Era prazer e era
diferente. Alimentá-lo ficando parado ali era quase como ser outra pessoa. O
vermelho do jorro, o preto da ocupação, da chegada sem aviso, sem pedir
aprovação. O escuro se fazia existir sem temores na aquarela, e ele inerte na
frente da vitrine da galeria. Não podia dar mais nem um passo.
Ficou pensando. Seria o caso de
entrar? Mas o que lhe esperava lá dentro poderia detê-lo ainda mais, perigoso
arriscar. De qualquer forma sabia que agora necessitava ter a obra por perto,
tanto que temeu não poder pagar por ela. Sobrava a decisão de entrar e obter a
informação. Dureza admitir que virara refém da imagem, que precisaria admirar
diariamente aquela combinação de cores. Um quadro, quem diria? Ele sequer
identificava ainda a coisa como aquarela. Depois reparou que tudo era diluído,
a despeito da força, o que o fascinou ainda mais pela aparente incongruência
entre essas duas naturezas. Água, e no entanto a marca indelével, como o
desejo, e no entanto as consequências das escolhas. Estava capturado. A vida
passava a depender de adquirir o objeto, não havia nenhuma hipótese de isso não
vir a acontecer.
trecho de "retrato", de O CÉU É MEU
Nenhum comentário:
Postar um comentário